sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Exemplos de entrevistas

"O texto era muito importante"
Depoimento de Gregório Bacic a Valquíria Kneipp


Na entrevista a seguir, o jornalista, cineasta e diretor de televisão paulista Gregório Bacic - idealizador e diretor do Programa "Provocações", da TV Cultura - fala sobre sua trajetória profissional no telejornalismo brasileiro.

Valquíria Kneipp: Desde quando você trabalha em televisão?


Reprodução

Gregório Bacic: Comecei a trabalhar em televisão em março de 1967, quando a TV Bandeirantes estava se preparando para entrar no ar. Eu fiz parte da primeira equipe de jornalismo da TV Bandeirantes, chamada de titulares da notícia, que inaugurou a tevê Bandeirantes no dia treze de maio daquele mesmo ano. Eu trabalhava antes na Rádio Bandeirantes.

VK: Em quais emissoras você já trabalhou, além da Bandeirantes?

GB: Eu trabalhei como jornalista na Bandeirantes, fazendo o telejornal. Trabalhei na Tevê Globo em 1968, num jornal que era uma espécie de antecessor do espírito atual do Jornal Nacional, que surgiu em 1969.

Ele era feito ao meio-dia, em São Paulo e no Rio de Janeiro, com trocas de matérias em vídeotape do Rio, que vinham pra cá de avião, e daqui, que iam de avião para o Rio de janeiro no dia anterior.

Trabalhei depois na TV Cultura, não como jornalista, mas como diretor de programa; mas em alguns casos eu fiz alguma coisa jornalística. Por exemplo, eu participei extra-oficialmente, fiz algumas matérias mesmo, para o telejornal, o primeiro telejornal da TV Cultura - que era o Hora da Notícia. que era uma vez por semana quando foi criado. Algumas vezes me pediam, e eu era muito amigo das pessoas que faziam jornalismo.

Cheguei a fazer algumas matérias, mas nada oficialmente. Depois, jornalisticamente falando, eu vim a trabalhar na TV Globo, no Globo Repórter, em São Paulo, que era situado na área do jornalismo, apesar de eu achar que o que eu fazia lá, o que nós fazíamos lá, não era necessariamente jornalismo.

Nós fazíamos documentários. Em 1979 eu fui chefe de jornalismo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ah, eu acho que em termos de jornalismo é isso. Atualmente estou no programa Provocações, que não é um programa jornalístico, se bem que muita gente insista que é.

VK: Quais foram as funções que já exerceu em todas essas emissoras?

GB: Sempre no jornalismo... As funçãos eram um pouco diferenciadas naquele tempo, a gente tá falando de em período há quarenta anos. Eu fui redator. Eu fui editor. Fui repórter algumas vezes. Fui chefe de jornalismo da Rádio Nacional do Rio, como eu já disse. Basicamente isso: também fui diretor de programas na TV Globo.

VK: Quais eram as características necessárias para se trabalhar na tevê nos anos 60? O que eles exigiam?

GB: Em termos de jornalismo, uma coisa que era muito importante naquele tempo era o texto. Porque era uma época em que o maior número de figuras que trabalhavam no jornalismo eram redatores. No rádio, na televisão.

Na televisão começou a haver um número maior de repórteres, mas eram repórteres que trabalhavam basicamente com o texto e também gravavam o texto no local do acontecimento, eles diante do local do acontecimento.

Seria uma espécie de transmissão externa, filmada, é claro filmada, revelada e posta no ar. Então, era um texto fluente, bom, um texto compreensível, um texto enxuto.

VK: Então, no começo tinha que ser bom redator e depois, quando a televisão foi evoluindo, mudaram as exigências ou continuou existindo aquela coisa de ser bom redator para trabalhar na TV?

GB: Olha é difícil te dizer isso... Eu fui como redator, eu fui editor desse jornal da Globo que eu te falei. Eu fui para o Globo Repórter, que foi a minha experiência posterior, alguns anos depois, já nos anos 70, mas com a cabeça completamente em outra, que era de fazer documentário, que eu não considero um trabalho jornalístico. Apesar de ele estar sitiado numa área de jornalismo, no Globo Repórter. Certo. Mas era outra coisa lá.

Éramos os cineastas que faziam TV lá; cineastas como Eduardo Coutinho, João Batista de Andrade, eu, no caso mais uns três ou quatro que apareciam lá, que faziam documentário no Rio e em São Paulo. Na Rádio Bandeirantes, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, quando eu era chefe do jornalismo era outra história, mas ali existia ainda uma concepção, um desenho muito fundamentado no redator de rádio e não no repórter, era no redator no caso.

Mais para frente escassearam as minhas atividades jornalísticas. Então, eu não posso te dizer exatamente o que mudou, o que houve; o que eu percebo pela minha vivência muito próxima dentro das emissoras de televisãoé que houve uma valorização, um crescimento da equipe de repórteres. Houve de lá para cá que um empobrecimento, vamos dizer assim, da necessidade de redatores.

Certo, porque, mesmo porque as coisas já vêm prontas, nós estamos assim numa espécie de fast food jornalístico, em que as assessorias de imprensa, as agências noticiosas, esses serviços todos já mandam textos que muitas vezes são colados e colocados no ar.

VK: Naquela época como que era a hierarquia da redação?

GB: Nos anos 60, no telejornal da TV Bandeirantes existia um chefe de jornalismo. Eu me lembro que o diretor de jornalismo era Alexandre Kadum.

Existia um chefe de reportagens, que era geralmente um repórter, mas os repórteres não tinham uma formação jornalística diferenciada para televisão, porque essa ida para fora era feita com câmeras filmográficas, famosas câmera Auricom, eram coisas pesadas etc. Eram muito limitado o trânsito do jornalista, seja por questões de equipamento e de tempo, porque ele tinha que voltar logo para a emissora para revelar o filme e para que ele seja secado e montado até a noite. Além do mais, estávamos sob a ditadura militar.

Então acontecia exatamente essa coisa. A gente não metia no nariz em tudo quanto é lugar, certo. Tinha que se comportar e muito bem, dentro da cartilha das emissoras do governo, da censura etc... essa coisa toda.

Por isso que eu disse o repórter era geralmente uma pessoa que fazia uma transmissão externa do local onde aconteceu alguma coisa, falava um texto bem comportado, voltava e revelava aquilo certo.

O chefe de reportagem, a chefia de reportagem era quase que a mesma coisa que o diretor de jornalismo, que supervisionava um pouco, e às vezes que o secretário de redação. Existia a figura do secretário de redação, que era o editor do telejornal. No caso, existiam aí os redatores: o redator do internacional, o redator do nacional e o redator do local.

Éramos três redatores no caso.

Existia a pessoa que dava o suporte de imagem, porque naquela época existia um arquivo de slides para - toda vez que se citava alguém que era recorrente nos jornais - se colocar a fotografia da pessoa no ar. Então, as imagens colhidas eram em pequeno volume e eram limitadas por essa questão telecinematográfica que eu disse a você.

VK: A influência maior desta época era do cinema?

GB: Não é uma questão de ser uma influência maior, mas era cinema. Ou seja, existia um departamento de jornalismo na Globo, que tinha uma área que se chamava Globo Repórter, que tinha os seus editores no Rio de Janeiro e em São Paulo e que eram ligados e administrados pelo jornalismo; mas eram departamentos à parte e com autonomia.

Esse departamento no Rio de Janeiro e nacionalmente era comandado pelo Paulo Gil Soares, que era um cara de cinema, que trabalhou inclusive com Glauber Rocha etc..., trabalhou em cinema baiano, ele era baiano inclusive. No primeiro momento, o Globo Repórter era feito pela Blimp Filmes, que pertencia ao Guga, que era irmão do Boni, que sempre trabalhou com cinema e televisão; as coisas mais elaboradas para televisão eram em linguagem de cinema, isso dentro ou fora do jornalismo.

No jornalismo, na época em que eu estive lá a área era comandada por Fernando Pacheco Jordão, que era um jornalista, mas que eu considero uma pessoa acima das denominações e das categorias de todas essas caixinhas, de todas essas políticas, era uma questão de cabeça. Ou seja, ele entendeu claramente que os grandes trabalhos que se poderia fazer eram trabalhos de documentário e documentário da maneira como ele via em Londres, onde ele trabalhou antes, como ele via na Europa, onde ele trabalhou antes, que eram feitos, na verdade, com uma cabeça cinematográfica.

Então ele fazia o Globo Repórter, era departamento de jornalismo etc.

Mas o que você pega daquela ocasião é uma linguagem elaborada de grande reportagem, no caso. Tem algumas preocupações artesanais de cinema, no fazer na carpintaria do trabalho, vamos dizer assim. Então, eu fazia documentários... Você vê que as pessoas que faziam documentário naquela ocasião ainda estão por aí hoje, além de mim, por exemplo, que passei a fazer documentário.

Você tem o Eduardo Coutinho, que é cineasta, você tem o Hermano Pena, que é um cineasta, você tem João Batista de Andrade, que também é cineasta.

Praticamente todos esses eram cineastas, eram muito poucos aqueles que poderíamos chamar de jornalistas, que fizeram algum trabalho que tenha ficado, que tenha tido uma vida mais longa.

Fonte: Revista PJ:Br Jornalismo brasileiro
Edição 07- II semestre de 2006

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